segunda-feira, 4 de abril de 2011

Como surgiu o Trotskismo em Belém? Artigos que introduzem a essa História.


Em 2009, por ocasião do termino de meu curso de graduação em História na UFPA, apresentei meu Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “Trotskismo em Belém: Incursões Introdutórias (1980 – 1982), que tinha como objetivo dar o primeiro passo para o resgate da história do trotskismo em terras papa-chibé. Tarefas das mais árduas, pois não contávamos com uma bibliografia especializada e pela fragmentação dos sujeitos envolvidos. O texto que foi apresentado naquela ocasião cumpria esse objetivo de organizar informação e indicar um caminho a outros pesquisadores e ativistas políticos interessados em conhecer essa história. Neste sentido, ao publicarmos em nosso blog esse texto estamos buscando dar continuidade a essa tarefa e, além, dar publicidade a temática para que assim gere curiosidade e fomente novos textos e mais informações. O texto na integra está disponível na biblioteca do Laboratório de História da UFPA e será publicado em partes neste blog semanalmente. Começamos disponibilizando a parte introdutória, onde damos um panorama geral da temática. Esperamos que vocês gostem. Comentários, questões e críticas serão muito bem vindas. Boa leitura!   

Introdução

Esta pesquisa tem por objetivo realizar uma incursão introdutória à história do trotskismo em terras paraenses, mas especificamente belenenses, nos anos de 1980 a 1982. Período em que verificamos a construção de uma organização notoriamente trotskista, a Convergência Socialista, a partir de um grupo de jovens estudantes que se denominava Grupo de Reconstrução do Movimento Primário e Secundarista (GREMPS).
O trotskismo é a designação utilizada para nomear os seguidores do revolucionário russo León Davidovich Trotsky, que em 1938, na França, funda uma nova Internacional Comunista (IV Internacional), em oposição a já existente III Internacional, controlada pelo Partido Comunista da URSS e seu máximo dirigente Stalin. Essa nova Internacional após a morte de Trotsky e os anos perturbadores da 2º guerra mundial se dividiu e dispersou em distintas correntes, mas o Programa de Transição[1] continuou como o guia programático dos diversos agrupamentos que dela derivaram e que a reivindicam, assim como, a forma organizacional que assumem, tendem ao regime partidário denominado “centralismo democrático”.       
O tema que pretendemos abordar nesta pesquisa faz parte da historia recente das lutas sociais por democracia na sociedade brasileira, que viu o regime dos militares (1964-1985), ser substituído por uma “democracia” que manteve o poder do Estado brasileiro nas mãos das elites econômicas, ou melhor, da burguesia, termo que acreditamos ser o mais adequado por se tratar de uma sociedade capitalista. Entretanto, apesar da solução encontrada pelos militares ter sido vitoriosa, pois a transição para a democracia foi controlada mantendo a ordem burguesa da sociedade, a vaga de lutas sociais abertas em fins dos anos 70, com o levante dos operários paulistas sendo um dos momentos mais agudos deste contexto, culminou anos depois num esplendoroso processo de revolução política no Brasil[2]. Os protagonistas desse levante social obtiveram importantes experiências de organização que marcaram profundamente o Brasil de hoje e mesmo em regiões periféricas da economia nacional, como o Pará, foram feitas sentir suas conseqüências.
É desta forma que entenderemos a construção de um agrupamento trotskista em terras paraenses. Fruto desse momento de convulsão da luta de classes no Brasil e também no mundo é que se implanta primeiramente entre os secundaristas belenenses o Grupo de Reconstrução do Movimento Primário e Secundarista (GREMPS), em 1980, que posteriormente veio a gerar o núcleo fundador da Convergência Socialista (CS) em Belém. A CS já atuava entre a juventude universitária e secundarista de São Paulo e Rio de Janeiro, e iniciava uma transferência de militantes oriundos desta juventude para junto da classe operária que estava inflamada e preste a entrar em erupção por meio das greves por reajuste salarial e contra a intervenção sindical do governo militar.
            A história dessa organização trotskista remonta há alguns anos antes, mais precisamente a 1970, e em sua trajetória fora identificada por diversos nomes: Ponto de Partida; Liga Operaria (LO); Partido Socialista dos Trabalhadores (PST); Convergência Socialista (CS); Alicerce da Juventude e novamente CS. Em 1994 a Convergência Socialista, depois da expulsão do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1992, foi à principal componente do atual Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).
             Em 1970 o Chile vivia sobre o governo do socialista Salvador Allende, um oásis democrático na América Latina, e para lá muitos perseguidos pelas ditaduras foram exilar-se.
“Entre os exilados brasileiros estavam Jorge Pinheiro e Maria José Lourenço – ex-militantes do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), ex-dirigentes estudantis do CA de Comunicações da Universidade Federal do Rio de Janeiro e jornalistas do jornal alternativo “O Sol” –, Ênio Bucchioni, ex-militante da AP, e Túlio Quintiliano, ex-militante do PCBR. Por meio de Mário Pedrosa (importante intelectual brasileiro e ex-militante trotskista) e Hugo Blanco (dirigente peruano), também exilados no Chile, e de Peter Camejo (dirigente do Socialist Workers Party dos Estados Unidos), os militantes brasileiros entraram em contato com a Quarta Internacional e formaram o grupo Ponto de Partida”.[3]
           
Ponto de Partida! Nome realmente sugestivo para o início de uma organização que se consolidou em todas as regiões brasileiras, a primeira a apresentar um candidato trotskista a presidente da republica (1998), e hoje, no campo do sindicalismo, impulsiona a construção da Coordenação Nacional de Lutas (CONLUTAS, 2006), como uma nova Central Sindical e Popular em alternativa a Central Única dos Trabalhadores (1983). Mas porque estudar uma corrente trotskista? Mais ainda, porque estudá-la em Belém do Pará?
             Primeiramente, gostaríamos de localizar que a construção do trotskismo não é um fenômeno novo no Brasil, pois desde 1927/28, a partir de uma ruptura no antigo PCB surge a primeira organização próxima às idéias do revolucionário Trotsky[4]. Porém, é dentro desse período de abertura democrática, que se formaram as modernas organizações trotskistas. As principais são: A Organização Socialista Internacionalista (OSI), mais conhecida pelo nome do seu jornal “O Trabalho” (1976), A Democracia Socialista (DS, 1979) e a Convergência Socialista, que foi criada em 1978 como um movimento e não como um partido político de esquerda, mas que veio a tornar-se posteriormente[5]
            Todavia, o trotskismo é um fenômeno novo em uma região periférica, que começa a ser incorporada a economia nacional e também internacional como é o caso da Amazônia. Os últimos anos da década de 70 e a seguinte formam um dos períodos de maior efervescência política em nosso país e também na capital do Pará, o que chamamos de revolução política em marcha. Marchava-se contra uma ditadura militar que também buscava dar uma saída a essa crise político-econômica que abatia o Brasil, e que por sua vez, foi vitoriosa ao eleger, em 1985, Tancredo Neves sem o voto direto e universal, dando assim fim a um dos períodos de nossa história mais aterrorizador.
             É nessa vaga de lutas sociais que o trotskismo toma propulsão e se expande para regiões em que não existia. Essa explosão de força é o epicentro do surgimento do trotskismo em Belém. Ela formou uma grande geração de ativistas políticos oriundos das classes médias, que se radicalizavam ao calor da falta de direitos políticos, de liberdade de imprensa, contra a carestia, a falta de moradia e as perseguições a tudo o que fosse contrário ao regime militar em voga. O que quer dizer que esses novos sujeitos sociais em luta se aproximavam das reivindicações dos trabalhadores e das camadas mais pobres de nossa sociedade, onde o marxismo foi a ferramenta teórica para tal propósito, e passaram a atuar organizadamente conformando partidos. Entres esses partidos e grupos políticos forjados estavam os trotskistas, e entre estes estava a CS.
             Cabe ressaltar que no caso da organização Convergência Socialista o setor social que a construiu e consolidou foi a juventude, principalmente a universitária e a secundarista. Especificamente em Belém, os estudantes secundaristas deram o contorno ao núcleo fundador desta organização que se expandiu para a Universidade Federal do Pará. Isso porque a juventude toma a dianteira na reorganização de suas entidades tradicionais como a União Nacional dos Estudantes (UNE, 1979), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES, 1981), diversas Uniões Municipais e Estaduais de Estudantes, Diretórios Centrais de Estudantes e Centros Acadêmicos, que são reativados ou reconstruídos um pouco antes ou durante a entrada em cena das novas ferramentas de organização dos trabalhadores, que têm como ponto mais alto a reorganização do movimento sindical que começa a romper com o atrelamento ao governo militar. E não só; as lutas estudantis no Brasil pela anistia irrestrita e contra a ditadura militar se verificam antes das greves do ABCD paulista, jogando no epicentro das lutas sociais os metalúrgicos paulistas, que em 1979 e 1980 idealizaram o Partido dos Trabalhadores (PT), e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983.
            No intuito de adentrar nesta história é que ao longo destes dois capítulos exporemos os frutos de nossa pesquisa. O primeiro versa sobre a crise econômica mundial que se verifica a partir de 1973. No Brasil, com o presidente Ernesto Geisel (1974), começa o período de “distensão política” para o processo de transição a democracia de forma lenta, gradual e segura. Mas apesar dos militares buscarem essa saída, os movimentos sociais entram em cena provocando muitos enfrentamentos, fazendo com que esse processo de reabertura democrática seja também um momento de rápida organização dos setores populares. Contraditório na sua forma, essa proliferação de grupos políticos aumenta em escala nacional trazendo insegurança para a burguesia brasileira, está vê sendo forjado, o que veio a ser uma das maiores ferramentas de lógica de ruptura com a sua ordem, que é o PT e as forças sociais-políticas que o compõem. Ou seja, um processo revolucionário em marcha, que foi derrotado, mas que se configurou como uma revolução política, porque destronou um regime ditatorial. Para nós esse processo é a pré-história do trotskismo em Belém, por ser neste contexto que se gesta a primeira organização deste matiz.
            No segundo capítulo focalizamos nosso estudo no surgimento do GREMPS e seu desenvolvimento, onde poderemos perceber as suas transformações até o momento de sua entrada na Convergência Socialista em 1981 e os primeiros passos dessa organização na cidade de Belém. Nosso olhar está voltado para entender a trajetória desse grupo para que possamos compreender a evolução de sua atuação até o momento em que deixa de ser GREMPS e passa a ser a primeira organização trotskista do Pará.
            Por fim, cabe fazer uma apresentação de nossa metodologia nesse trabalho. Mesmo sendo um assunto bem ressente, poderia parecer que disporíamos de um vasto leque de fontes documentais, mas como se trata do estudo de uma organização política perseguida pela ditadura e minoritária entre os ativistas políticos desse período, tivemos muitos problemas na obtenção de fontes documentais. As próprias organizações descendentes da Convergência Socialista em Belém (PSTU e CST), não dispõem de um acervo documental que nos pudesse ser útil, sendo necessária a pesquisa no acervo da Biblioteca Pública Arthur Vianna do jornal “Resistência”, que teve inicio em sua circulação no ano de 1978, e foi de fundamental importância para nossa pesquisa, pois em seus diversos números encontramos matérias referentes ao GREMPS ou a membros desse grupo, bem como, podemos ter uma avaliação sobre o panorama das lutas sociais travadas nesse período no Pará. Esse material jornalístico foi a base de nosso trabalho de investigação sobre a origem e desenvolvimento do trotskismo em Belém.
            Mas para que pudéssemos avançar na pesquisa foi necessário lançar mão da fonte oral, que tem sua justa necessidade provada pela falta de documentação escrita relativa a dinâmica interna do grupo que estudamos. Entretanto, não queremos criar aqui uma expectativa exacerbada em nossos interlocutores a cerca da utilização desta ferramenta em nosso trabalho, à medida que ele é uma introdução, uma investigação inicial sobre tal tema. Assim sendo, o que buscamos neste presente texto é apenas apresentar o contexto em que ele pode ser introduzido em Belém e como pode concretizar-se. Deixando para posterior trabalho uma discussão mais aprofundada sobre os por menores e contradições deste fenômeno.
            É assim que utilizamos apenas uma única entrevista. Sendo que a seleção desta esteve intimamente ligada à necessidade de ouvir uma trotskista da época da fundação da CS em Belém, que não apenas reivindica-se a sua história, mas que seguisse reivindicando também as mesmas concepções políticas e tradição organizativa. Como falamos anteriormente a Convergência Socialista foi a principal organização a construir o atual Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), e por tanto, a única a estar dentro deste critério foi Conceição Rodrigues de Meneses, que foi do GREMPS, fundadora da Convergência Socialista em Belém e atualmente militando no PSTU. Explicado isso, não quer dizer que não perdemos em informação optando por essa metodologia - e acreditamos que seja esse o ponto mais frágil de nosso trabalho - mas para o quê nos propomos a realizar ela foi de fundamental importância e cumpriu bem a tarefa a que foi legada. Por fim, cabe notificar a utilização de outros jornais como o “Convergência Socialista” e o “alicerce” que nos foram cedidos digitalizados pela própria Conceição Meneses e que podem ser encontrados no Centro de Documentação (CEDOC) do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado em São Paulo.



[1] Para melhor compreensão das divisões internas dentro da IV Internacional e no Trotskismo ver artigo: Os 70 anos da IV Internacional de Alicia Sagra disponível em www.pstu.org.br
[2] Para melhor compreensão de conceitos que iremos abordar tal com revolução política ou fevereiro, ou revolução social ou outubro, ou ainda situação revolucionária ver: ARCARY, Valério. As Esquinas Perigosas da História: Situações Revolucionárias em Perspectiva Marxista. São Paulo: Xamã, 2004.

[3] Ver: Opinião Socialista. ed. Nº. 355, de 25 de setembro a 1º de outubro de 2008. Está disponível no site www.pstu.org.br
[4] Ver: COGGIOLA, Osvaldo. O Trotskismo no Brasil (1928–1964). In. Mazzeo, Antonio Carlos & LAGOA, Maria Izabel (Orgs). Corações Vermelhos: Os Comunistas Brasileiros no Século XX. São Paulo: Cortez, 2003 e FERREIRA, Pedro Roberto. O Brasil dos Trotskistas (1930–1960). In. Cadernos AEL: Trotskismo. Campinas: UNICAMP/IFCH/AEL, vol. 12, nº 22/23, 2003.
5 Marxismo no Brasil. Campinas: Ed. da Unicamp, Vol. 6, 2007. E para entender as mudanças ocorridas na CS ver: FARIAS, Marcos Moutta de. A Experiência do Movimento Convergência Socialista. In. Cadernos AEL: Trotskismo. Campinas: UNICAMP/IFCH/AEL, vol. 12, nº 22/23, 2005. Para melhor entender a histórias das três correntes citadas ver: KAREPOVS, Dainis e LEAL, Murilo. Os Trotskismos no Brasil: 1966-2000. In. RIDENTI, Marcelo e REIS, Daniel Aarão (Org). História do Marxismo.







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