domingo, 10 de abril de 2011

Como surgiu o Trotskismo em Belém? Parte II

 1. Pré-história do trotskismo em Belém: Um Mundo em Crise Econômica.

Certamente alguns devem se perguntar como o trotskismo, enquanto uma corrente política minoritária em meio aos movimentos sociais brasileiros e internacionais, e, até certo ponto, marginal, pode chegar a uma região periférica da economia nacional. Essa pergunta só poderá ser responder se percebermos a complexidade que os anos 70 e 80 representaram para a economia e a política mundial e também brasileira.

1.1. Um Mundo em Crise Econômica.

A instabilidade e a crise se tornaram palavras comuns na boca de economistas, tanto do campo capitalista (centro e periferia), como também no lado do comunismo, ao longo das décadas setenta e oitenta[1]. Contraditoriamente, os fatores que se acreditava poder estabilizar a economia capitalista eram muito mais fortes do que nunca: controle do inventário computadorizado; melhores comunicações e transportes mais rápidos; os estoques passaram a ser menores, produzindo-se o suficiente para atender na hora os vendedores; variabilidade da produção seguindo as exigências de mudança; tudo fruto do avanço da tecnologia que dá um salto nesse período. Juntamente a esses fatores, o Estado regulava a economia por meio da política Keynesiana que consumia e gerava uma renda (seguridade e previdência publica), que injetada na economia deveria ser mais um estabilizador econômico. Mas não é isso que se verifica.[2]
No mundo capitalista desenvolvido, apesar de não se vê numa depressão aguda, podia-se perceber que a produtividade estava caindo e o comercio internacional seguia a mesma tendência. Mas o crescimento econômico continuava, só que em um ritmo menor. Já no capitalismo periférico, a palavra crise tinha um sentido mais amplo, pois o crescimento do PIB per capita cessou, verificou-se um empobrecimento da população e a produção caiu. A economia chinesa, todavia, crescia no sul e sudeste asiático, nesta, porém, a palavra crise tinha um significado diminuto e o bloco soviético mantinha um crescimento modesto, embora no final da década de 1980 desmoronasse completamente.[3]
O fato é que no coração do capitalismo a tranqüilidade já não era uma palavra muito utilizada. O reaparecimento da pobreza, do desemprego em massa, da mendicância e o crescimento econômico interrompido por várias depressões (de 1979-1982 observamos a depressão Norte Americana), formavam um complexo de desigualdade social e econômica, do centro a periferia da economia. Os Estados Nacionais perderam seu poderio econômico e os governos de bem estar social foram colocados em xeque pelas operações incontroláveis do capitalismo. Keynesianismo e Neoliberalismo duelaram. O primeiro afirmando que o Estado deve interferir na economia, regulando o mercado, criando salários altos e emprego pleno. O que havia criado no período anterior a demanda necessária de consumo fazendo a expansão da economia, sendo esse o melhor remédio para lidar com depressões econômicas. O segundo afirmava que a política de regulação do Estado impedia o controle da inflação, o corte de custo das empresas taxadas com impostos mais altos e do governo com a demanda social, levando a um não crescimento do lucro, o que realmente interessa em uma economia capitalista.[4]
A não interferência do Estado na economia sai vitoriosa. A ganância econômica é vencedora, e apesar dos países do terceiro mundo e socialistas tentarem aplicar as velhas receitas keynesianas, o ultra-liberalismo entrava numa ofensiva contra o Estado de Bem Estar Social, que vivia um desmonte de sua estrutura interna e de suas idéias em função da desaceleração econômica. Uma tragédia anunciada. Pois, na maioria dos governos desse tipo neoliberal houve sim uma intervenção do Estado na economia por orientação e administração. Mesmo nos países do leste europeu, após a queda do socialismo real, foram aplicadas medidas neoliberais pelos novos governos democráticos, que também necessitaram de intervenção Estatal.[5]
Nos países do bloco soviético a crise foi escamoteada. Na década de 1970 as economias centralmente planejadas demonstram fortes sinais de regressão e sua abertura ao capital, nesse mesmo período, demonstravam a profundidade da crise do sistema soviético. Para Hobsbawm, a diferença da crise do sistema capitalista para o socialismo real era que o comunismo era inflexível e inferior em seu sistema econômico, assim, a crise era de vida ou morte para este. No capitalismo, o sistema econômico nunca esteve em xeque, apesar do desmoronamento de seus sistemas políticos, como também, não esteve em xeque a viabilidade desse sistema. 
Desta forma, o mundo poderia ser analisado em três partes: o mundo do capitalismo desenvolvido, onde as conseqüências da crise econômica foram menos sentidas, e houve menos inquietação social; o bloco soviético, onde a crise econômica levou a um colapso do sistema;[6] e o terceiro mundo,[7] que conformava “uma zona mundial de revolução”.  

1.2. Zona Mundial de Revoluções Políticas.  

De fato, o 2º e o 3º mundo passaram por transformações radicais na esfera do econômico e político. No campo socialista o reaparecimento de relações capitalistas, em fins dos anos 70, e principalmente, a abertura dessas economias aos ditames do mercado internacional deram início a várias situações revolucionárias.
Economicamente, Já estava claro em meados da década de 1960 que o socialismo centralmente planejado pelo Estado necessitava de reforma urgente. A partir da década de 1970, havia fortes sinais de regressão real. Foi o momento que essas economias se virão expostas.[8]

            Comunistas reformadores, dentro do bloco soviético, passavam a desejar a transformação de seu sistema em democracias ocidentais capitalistas. Mas a crise econômica que abatia as economias desenvolvidas do capitalismo foi, assim também, à crise do modelo keynesiano, ou melhor, da social-democracia.  O fato é que naquela área a instabilidade social esteve presente questionando a burocracia de Estado, dos partidos comunistas. É nesse período que veremos ser realizado um golpe de estado na Polônia, conseqüência do desfecho das lutas dos proletários desse país que se organizaram em uma ferramenta de dualidade de poder: a Solidariedade.[9]
Os processos revolucionários, que se deram nesse intervalo de tempo, no leste europeu e na URSS foram marcos divisores entre a esquerda brasileira revolucionária. Os trotskistas estiveram do lado intransigente na defesa da luta desses povos para que realizassem a revolução política[10], uma tarefa idealizada por Trotsky, na década de 1930, para a superação da burocracia que restauraria o capitalismo nesses Estados. Mas, a burocracia derrotou os processos revolucionários, e como já conhecemos restaurou o capitalismo no leste europeu em fins da década de 1980.
Já no terceiro mundo, uma das poucas generalizações plausíveis era a de que suas economias se encontravam endividadas[11]. Economicamente a crise foi avassaladora para essas sociedades. E como um rastilho de pólvora, queimou a chama da luta de massas. Na América Latina os regimes militares foram um catalisador desta centelha. Entretanto, não foi o único fator a colocar em movimento os vários segmentos da sociedade. O fato é que a estagnação econômica que se seguiu a uma maior miséria material, casada à opressão dos regimes ditatoriais, construiu uma perspectiva de mudanças coletivas pelos oprimidos. Como fala Arcary (2004), na década de 70, a idéia de “grande crise” estava associada à derrubada da ditadura militar[12]. Um cenário propício para se abandonar à estratégia de guerrilhas rurais e urbanas aplicadas desde 1950 na região pela esquerda latino-americana. Uma estratégia que se verificou posteriormente equivocada, mas que inclusive por setores trotskistas foi levado acabo.
Como deixamos claro não concordamos com Hobsbawm na localização de uma zona de revolução apenas no terceiro mundo, mas sim em toda região que hoje compreende as áreas subdesenvolvidas da economia, ou em desenvolvimento. E tampouco acreditamos em situações revolucionárias sem a entrada em cena das multidões. Notoriamente fazendo uma analise dos processos revolucionários que aconteceram nesse período nessa nova zona de revoluções, como apresentamos a pouco, fica bastante claro que o principal fenômeno ocorrido foi revoluções políticas que questionaram ou a burocracia dos partidos comunistas, que pela falta de uma organização revolucionária foram abortadas dando condições para a restauração do capitalismo, ou foram revoluções desse tipo, mas por terem sido realizadas em paises capitalistas da periferia e por serem abortadas antes da tarefa final, que era destituir o sistema, foram classificadas por Valério Arcary como tal.  

1.3. Uma Situação Revolucionária no Brasil.

O Brasil, em fins de 1970, entrava em uma grave crise em sua economia. Passavam-se já mais de quinze anos de ditadura militar e o padrão de vida da população estava em queda livre. As Esquerdas estavam ainda muito abaladas pela perseguição do Estado, principalmente depois do Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 1968, e sua estratégia guerrilheira, por mais que tivesse em algum momento logrado algum êxito, demonstrou ser incapaz de derrotar o regime ditatorial.
   Todavia, internamente, vinha se processando uma mudança qualitativa no comportamento das classes populares. Em 1968, a juventude brasileira havia protagonizado um levante que questionava a ordem vigente. O crescimento desordenado das grandes cidades do país construiu um novo movimento popular nas periferias, no inicio dos anos 70. A igreja católica, por meio de sua ala progressiva ligada à Teologia da Libertação, passa a se alinhar na luta por uma sociedade mais humana e democrática. A esquerda então passa, lentamente, a intervir por dentro dos espaços legais ou semi-legais, implantando-se no coração dos principais processos de luta, tanto populares (sindicatos, entidades estudantis, jornais e etc), como políticos. O MDB, único partido legal de oposição, tornou-se mais forte e questionou a supremacia do partido da ordem, o ARENA. E, a classe operária, principalmente a paulista, passa a protagonizar uma reorganização que impulsiona greves, que se alastram por todo o país. A resistência ao regime e a crise econômica aumenta vertiginosamente no inicio dos anos 80. Mesmo que de forma incipiente e desarticulada a resistência começa a ruir as estruturas da ordem, e passa, por meio de reivindicações, a exigir cada vez mais forte, liberdade, moradia, terra, saúde, transporte, lazer etc.

Diante do agravamento da pressão das demandas populares, o Estado brasileiro não redireciona seu modelo de desenvolvimento socioeconômico, não se estrutura para ter patamares mínimos de uma política de bem-estar social. Ao contrario, privatiza ou transfere sua responsabilidade.[13]
   
Vai se forjando no Brasil uma situação revolucionária que culminará em uma revolução política. Arcary nos esclarece a utilização desse ultimo conceito:
As revoluções políticas têm sido, no entanto, uma das formas a que as sociedades contemporâneas recorrem para resolver tarefas históricas que permaneceram pendentes. A mudança, no entanto, só excepcionalmente assume a forma revolucionária. É preciso que todas as outras vias tenham sido antes bloqueadas e esgotadas. (...) A terrível, mas inescapável conclusão de que não é mais possível mudar a sociedade utilizando os métodos das reformas – ainda quando as negociações supõem lutas de pressão – exige uma insubstituível experiência prática compartilhada por milhões. Revoluções políticas são uma irrupção da mobilização popular, sejam quais forem os seus métodos de luta, que colocam o poder em questão.[14]

Quando falamos em uma situação revolucionária queremos afirmar que está em marcha uma revolução, podendo ser abortada, antes mesmo que chegue ao momento mais crucial da disputa pelo poder, ou não. Quando a revolução é interrompida antes de seu amadurecimento, e as tarefas pela qual está sendo feita não são resolvidas, ou são parcialmente, chamamos a esse fenômeno de revoluções políticas. Este é o caso brasileiro. As mobilizações pelas diretas em 1984 e o fim do regime militar em 1985 não deram soluções aos problemas sofridos pelo povo durante toda uma etapa[15]. 
Assim, em meio ao regime dos militares, deu-se o surgimento de uma situação revolucionária construída a partir do fim do milagre econômico brasileiro, da disposição de setores sociais, antes parados, que se colocaram em movimento, passando a se organizar reconstruindo ou construindo novas ferramentas de pressão popular como: a União Nacional dos Estudantes (UNE), e as entidades estudantis, o PT no plano político, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e os sindicatos que estão sendo desatrelados do regime. As mobilizações colocavam em evidencia a tentativa de uma duplicidade de poder, mesmo que de forma molecular.
Nas regiões mais afastadas do centro econômico do país esse processo se verifica de forma parcial. Pois, em uma economia posta a serviço dos ditames da lógica do capital, todas as regiões são afetadas, principalmente aquelas que estão sendo incorporadas recentemente e que podem ser muito rentáveis. Contudo, os fatores dessa crise serão mais sentidos e outros menos, dependendo das especificidades de cada região, pois, estão inseridas neste turbilhão. Cabe observarmos as tendências e contra-tendências.

1.4. Uma Belém em Luta.
           
É por esses anos que a Amazônia passa a ser incorporada efetivamente na economia nacional e internacional. Os militares preocupados com as regiões de fronteiras buscam ter uma política de desenvolvimento para a região e aplicam medidas visando sua integração ao resto do país. O que provocará grandes transformações socioeconômicas[16]. 
Grandes obras públicas são efetuadas, que vão da criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM, 1966), passando pela política de incentivos fiscais para atrair investimentos para a região, novas estradas (Transamazônica, Perimetral Norte, Cuiabá-Santarém, Manaus-Roraima-fronteira da Venezuela), a “colonização dirigida” (1970-73), o 2° plano de desenvolvimento (1975-79), bem como, a construção da hidrelétrica de Tucuruí. Todo esse investimento serviria para subsidiar empresas minero-metalúrgicas, energéticas e agropecuárias[17].
Foi também feita uma divisão dos locais de implantação das indústrias. As de grande porte ficariam localizadas em novos pólos industriais criados pelo governo federal, sendo que sua produção serviria para o abastecimento do mercado externo; e as de pequeno e médio porte se radicariam nas principais cidades da região e serviriam para o abastecimento local[18].
Todo esse projeto claramente serviu para aumentar a tensão no campo e nas cidades. A Amazônia foi incorporada a economia nacional na tentativa do governo de superação do défit público e nos moldes do Neoliberalismo. Enquanto os grandes empresários usufruíam a matéria prima e as regalias governamentais, o conflito agrário aumentava vertiginosamente e as cidades vão inchando desordenadamente durante as décadas de 70 e 80. As periferias proliferam-se sem que o Estado tivesse uma política de inclusão dessas novas áreas, e as necessidades básicas (saneamento, saúde, educação, transporte e etc), raramente existem, isso sem contar os inúmeros conflitos que eclodem pela posse das moradias nesses rincões.
De uma maneira clara todos os impactos da economia capitalista em crise se instalam na Amazônia. Em Belém, um dos principais centros urbano da região, as conseqüências se fizeram sentir e a resistência às mazelas sociais assumiu uma proporção bem grande, com greves, passeatas, reconstrução de entidades e surgimento de partidos vinculados às causas dos trabalhadores. Esse é o contexto do surgimento do trotskismo na região norte do Brasil.
O jornal Resistência, em seu número 20 de Janeiro de 1981, faz uma retrospectiva das lutas sociais travadas no ano anterior e afirma em sua capa que o ano de 1980 é o “ano do protesto” em Belém. Apresentando página após página as lutas no Brasil, nos bairros da cidade, dos professores em todos os níveis de ensino, dos trabalhadores e lavradores, e dos estudantes universitários e secundaristas. Os estudantes secundários são os protagonistas da primeira regulamentação da meia passagem na cidade. Esse retrospecto do jornal Resistência deixa claro que as lutas travadas em todo o país são as mesmas que se travam em terras paraenses e que a crise econômica e a revolução política estão também entre os belenenses. “Contra a miséria, os baixos salários, a opressão e a violência, largas camadas da população fizeram de 1980 o ano do protesto, crescendo sua organização na luta contra o regime militar”.[19]
Entrtanto, como havíamos falado anteriormente, os operários que protagonizaram muitas greves desde 1978 no sudeste brasileiro e principalmente em São Paulo, não tiveram uma participação tão expressiva nas lutas sociais em Belém, pois no Estado paraense, como já apresentamos, os principais pólos industriais, que são verdadeiros enclaves, foram localizados em regiões bem afastadas da capital e o número de indivíduos pertencentes a essa categoria foi infinitamente menor do que em outras regiões do país.
Por isso, cabe observamos um pouco de como essas lutas sociais foram realizadas, e quais suas principais reivindicações. Trataremos então das principais lutas na cidade de Belém: Moradia e a dos estudantes. O jornal Resistência nos confere um bom panorama.

1.4.1. A Luta Por Moradia.
      
A América Latina viu sendo reconstruídos ou construídos vários movimentos sociais na década de 70. Eram movimentos classistas que partiam das demandas mais essenciais de vida, até as lutas anti-machismo, homofobia, racismo, desmatamento florestal e etc. Entre todo esse turbilhão de movimentos, um dos mais emblemáticos, foram os movimentos por moradia nas periferias das grandes cidades.
A cidade de Belém deu um salto no número de habitantes entre os anos 60 e 80. Estimava-se que morassem na cidade 60.399.222 habitantes em 1960, e duas décadas depois, a estimativa já indicava 933.287.000. Esse crescimento foi à base para a proliferação, na segunda metade da década de 70, de movimentos de bairros que reivindicavam a legalização da posse da terra[20].
Em 1977 surge o movimento conhecido como “guerra de poeira”, que lutava por asfaltamento de ruas e, provavelmente, um dos primeiros movimentos organizado por centros comunitários da cidade. Em 1978 surge o movimento “casa própria” que tinha como finalidade à organização dos moradores de bairros periféricos. E em 1979, funda-se a “Comissão de Bairros de Belém” (CBB), numa assembléia de moradores realizada na Paróquia do bairro da Pedreira, e que foi convocada pela Sociedade Paraense de Defesa dos direitos humanos (SDDH, 1977)[21].

No dia 26 de janeiro de 1979 foi realizada uma grande assembléia de moradores dos bairros de Belém, na igreja de Nossa Senhora da Aparecida, para se discutir os problemas de terra na cidade. Nessa ocasião foi decidido realizar um Ato Público no dia 28 de maio de 1979, a fim de exigir do governador uma providência para solução do problema de moradia em Belém. Para encaminhar essa luta foi eleita democraticamente uma Comissão, que no inicio era chamada Comissão de Terra e logo depois tomou o nome de Comissão de Bairros de Belém. Logo após o ato público foram realizadas eleições democráticas em todos os bairros de Belém para eleger novos elementos para a CBB. Alguns elementos escolhidos no bairro desanimaram. Mas a maioria ficou firme.[22] 

O avanço na organização dos bairros de periferia na cidade coincide com o aumento do enfrentamento entre moradores de um lado, o Estado, empresas ou famílias tradicionais que se reivindicavam proprietários legais dessa área do outro. Os movimentos de bairro atuavam por dentro dos espaços da igreja católica, onde principalmente ela afinava-se com a teologia da libertação. Seus ativistas geralmente faziam parte das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s). E, por conta de seu caráter classista, recebia o apoio de organizações da esquerda anti-regime, ou ainda, propiciou o surgimento de outras organizações políticas, quando, no calor das lutas, permitiu a experiência prática de muitos indivíduos.
Em fevereiro de 1979, o jornal resistência trazia um dossiê intitulado “Desapropriação ameaça mais de 200 mil pessoas em Belém”. Essa era a matéria central e fazia a crítica ao milagre econômico falido, a especulação imobiliária, e claramente, culpava o Estado pela situação em que se encontrava a população. Noticiava-se então a situação caótica de diversos bairros: Na Pedreira eram 900 famílias ameaçadas de desapropriação, no Jurunas 3.600 famílias, na Terra Firma 5.000, na Sacramenta também 5.000.

Existem muitos outros conflitos de terra em Belém. Basta dizer que só nas áreas de baixada quase 100 mil pessoas estão desapropriadas e que, em outras áreas, os moradores ainda tentam resolver o problema o mais amigavelmente possível[23].

A relevância da luta por moradia em terras belenenses é obvia, tanto que em vários números, ao longo dos anos de 1979-1982, o Jornal Resistência sempre trouxe matérias sobre a situação dessas lutas e da CBB. A resistência vai levando a várias vitórias, mas a possibilidade de uma abertura democrática no país vai transformando qualitativamente e descaracterizando o tipo de reivindicação que se fazia. Hoje, o movimento popular por moradia vive uma crise de articulação em nossa cidade.

1.4.2.  A Luta Estudantil. 

  Os estudantes estiverem à frente de diversas lutas, não só as referentes à educação pública, mas em todas as reivindicações que colocavam em evidência a necessidade de superação do regime militar e da ordem burguesa. Entretanto, não foram todos os estudantes a realizarem tais lutas. Eles conformam uma categoria na sociedade poli classista. Dentro das escolas e universidades havia estudantes de origem de classe diversificada. Assim sendo, a manifestação de tendências de pensamento são variadas, podendo existir estudantes pró-regime militar, bem como, os contrários.
Na virada dos anos 70 para os 80 cada vez mais estudantes se alinhavam aos pensamentos mais radicalizados e de esquerda. Era uma tendência causada pela tamanha repressão do regime e também fruto da situação revolucionária que anteriormente tratamos. E, por essa razão, os partidos e tendências políticas de esquerda viram nesse momento a possibilidade de se construírem, por dentro do Movimento Estudantil (ME), captando muitos indivíduos para as suas respectivas organizações. É assim, que o ME passa a ter uma enorme importância na impulsão dos movimentos sociais nesse período.
A juventude passa a se reorganizar reconstruindo suas entidades e as colocam a serviço das demandas sociais, ou melhor, das lutas que se travam no dia-a-dia nas cidades. Mesmo a repressão sendo forte sobre a juventude estudantil, ela não se intimidava e  logo se torna espaço fundamental de resistência.
Em 1979 a União Nacional dos Estudantes (UNE), é reconstruída e lança uma campanha nacional pela reconstrução das entidades estudantis em todo o país. A partir de então se proliferam entidades nas universidades, escolas e colégios[24].
Em Belém, o processo de articulação das entidades estudantis se dá por meio da luta pela meia-passagem, por mais verbas para a educação, contra a reforma universitária, entre outras lutas. Tanto secundaristas como universitários vão forjando novas entidade e direções à esquerda.
Os secundaristas belenenses tentam construir em junho de 1979 a União dos Estudantes Secundários do Pará (UESP), que, no entanto, pela sua localização superestrutural em relação aos próprios estudantes não consegue se afirma.

Em meados de junho de 79 os estudantes secundaristas articularam a criação da UESP (União dos Estudantes Secundaristas do Pará). Aproveitando a mobilização pela campanha da Meia-passagem, algumas lideranças estudantis decidiram ‘criar’ a entidade, sem qualquer discussão na base, levando a reboque uma grande quantidade de jovens desejosos de participação política. (...) Depois dum relativo esvaziamento na luta pela meia-passagem, graças à manobra do governador Alacid Nunes, que propôs uma comissão paritária para estudar o assunto, os estudantes secundaristas fizeram varias avaliações de sua participação e chegaram à conclusão que era preciso fazer auto-crítica em relação à criação da UESP. Com muita humildade, os estudantes reconheceram que era preciso começar de baixo e foi assim que nasceu a idéia de se criar um grupo para discutir nas escolas e colégios uma nova estratégia de luta visando a formação de uma entidade realmente forte e representativa. Foi assim que surgiu o GREMPS ( Grupo de Reconstrução Estadual do Movimento Primário e Secundário). O GREMPS articulou 2 Encontros Estaduais de Estudantes cujo objetivo era levantar novamente a bandeira pela Meia-passagem. Como tática de luta ficou decidida a criação de um comitê Central Pela meia-passagem e vários comitês em cada colégio. Embora fosse uma luta economicista, de certa forma, ajudou muito na mobilização dos estudantes.[25]

O GREMPS passa a se reunir em 1980, na igreja de São Sebastião no bairro da Sacramenta (uma paróquia ligada à teologia da libertação e muito atuante na organização dos moradores na luta por moradia). Durante todo esse ano os estudantes secundaristas e universitários vão protagonizar uma verdadeira batalha para conseguir a meia-passagem sem restrições. O Jornal Resistência deixará registrado, no já citado numero 20, de janeiro de 81 os atos públicos que foram vistos na cidade para tal fim. Após a vitória na luta pela meia-passagem, o movimento secundarista em ascensão, buscará construir a União Metropolitana dos Estudantes Secundaristas (UMES).

Atualmente, depois da vitória da luta pela meia-passagem, o Comitê Central se transformou na Comissão Pró-UMES (...). Enquanto se processa a discussão da nova entidade, as bandeiras de luta permanecem as mesmas do antigo GREMPS, como por exemplo, procurar ocupar todos os espaços dentro dos colégios, participando de Centros Cívicos e procurando a cada dia esclarecer cada companheiro sobre a necessidade de lutar pelos seus direitos. A Comissão Pró-UMES terá a participação de dois delegados por colégio, que elegerá uma comissão executiva de 5 membros.[26] 

Por esses anos o número de estudantes, só nas escolas públicas de segundo grau, girava entorno de 30 mil. É em cima dessa base que se constituirão cinco chapas que concorrerão as eleições para a UMES nos dias 15, 16 e 17 de setembro de 1982. São elas: Arrastão, Avante, Viração, Semeando e Alicerce[27]. A Votação dessa eleição foi extraordinária. A soma de todos os votos chegaria a quase 27 mil votos, sendo a vencedora a chapa Semeando. A chapa Alicerce ligada à organização que estamos estudando ficou em ultimo lugar.[28]
Para Conceição de Meneses o GREMPS foi a organização do movimento que conformou o núcleo fundador da organização trotskista Convergência Socialista (CS), que por esses anos, por conta do ascenso estudantil, constrói uma tendência no movimento secundarista paulista chamada Alicerce e Luta, e que posteriormente, a organização trotskista CS, passa a adotar aquele nome. Trataremos desse assunto no próximo capítulo.[29]
O movimento estudantil universitário também avança na sua organização na capital do Estado do Pará. Primeiro, os novos ativistas do movimento vão forjando a construção de Centros Acadêmicos; cada curso deveria ter o seu. E depois, na UFPA, são realizadas em 1981 as eleições diretas para o Diretório Central dos Estudantes, a maior universidade da região norte.

Até fecharmos esta edição, apenas duas chapas – ‘Novo tempo’ e ‘Sair dessa maré’ – estavam concorrendo às eleições para o Diretório Central dos Estudantes da UFPa., no dia 4 de maio, nas primeiras eleições diretas dos últimos dez anos. Há quase dois anos o DCE não tinha uma diretoria bem estruturada, porque a reitoria boicotou a realização das eleições. Mesmo assim, a entidade vinha sendo assumida por um Conselho de Entidades de Base, formado pelos Centros Acadêmicos recém-construídos (Já existem 16).[30]  

O movimento estudantil estará envolvido nas diversas greves de professores, tanto da rede estadual como na UFPA. Suas Entidades se unificarão a outras forjadas pelos trabalhadores para reivindicar, questionar e transformar a realidade vigente. E seus ativistas passavam a se vincular a organizações clandestinas ou semiclandestinas para apresentar um projeto de sociedade, que na ampla maioria, inclinava-se para o socialismo. O Fato é que a juventude por ser um setor da sociedade mais dinâmico e aberto a novas idéias se transformara no principal fornecedor de militantes para a esquerda na cidade de Belém.
Os Primeiros trotskistas paraenses a organizarem-se em partido vivenciavam essa realidade complexa, arbitrária e cheia de possibilidades. Vislumbravam, assim, a possibilidade de por meio da intervenção nos movimentos sociais derrubar o regime militar, mas também, o sistema burocrático dos Estados do bloco Soviético e China, e principalmente, a superação do sistema capitalista em que viviam. Falavam em revolução política para os Estados burocratizados de ditadura do proletariado e de revoluções socialistas para o resto do mundo. Eles eram jovens estudantes. 
A conjuntura política era propícia ao surgimento de novas organizações ou a expansão das já existentes. O maior ou menor dinamismo de uma política revolucionária está intimamente ligado ao grau de lutas entre as classes e suas frações. Em momentos de crise, a instabilidade traz consigo a perspectiva de superação. A calmaria das mudanças lentas, graduais e sem choques dos tempos de crença cega nos governos, regimes e sistemas são substituídos por uma vertiginosa necessidade de transformações, que se darão ao calor da maior ou menor capacidade coletiva de forjar instrumentos de mudança. Arcary fala que “fora de uma situação revolucionária, as propostas radicais sempre foram ultraminoritárias, as tendências revolucionárias sobrevivem à margem dos grandes fluxos e opinião das massas”. [31] Mas, o fato da própria chegada de muitas idéias revolucionárias na capital do Pará, mesmo que de diferentes matizes, deixa evidente a necessidade pulsante de transformação nas camadas populares.
 O trotskismo em Belém foi, e continua sendo, um desses instrumentos construídos pelas classes exploradas de nossa cidade na tentativa de apresentar um projeto social alternativo às calamidades que se sofrem dentro do sistema capitalista brasileiro, que nesse momento histórico vive a crise econômica mundial, e, mais do que isso, a gestação de uma conjuntura revolucionária, uma revolução política, que tem como protagonistas o povo pobre, trabalhador e a juventude. Tendo como tarefa à derrubada da ditadura e a superação material das mazelas, parte esta que não foi, até então, concluída. 


[1] Para entender o conceito de “crise” ler: Arcary (2004) p. 15-16
[2] Hobsbawn (1995), p. 394
[3] Ibdem, p. 394-398
[4] Ibdem, p. 398-399
[5] Ibdem, p. 401
[6]  Ibdem, p. 409-410.
[7] Optamos por este termo por entendermos como Hobsbawn que essa área era difusa no espaço territorial, podendo estar nos referindo a América Latina, Ásia, África e Oriente Médio. E também por entendermos que esse mundo era uma “Zona Mundial de Revolução”. p. 421 
[8] Ibdem, p. 407-408.
[9] No jornal Resistência, Nº 37, de maio de 1982, encontramos duas matérias sobre as tarefas políticas e de solidariedade que os revolucionários deveriam ter em relação à luta dos trabalhadores poloneses. A primeira foi escrita pela direção da organização Convergência Socialista e falava de uma revolução política em marcha nesse país e a segunda de autoria de João Pedro Hass.      
[10] Revolução Política foi um conceito cunhado por Trotsky na década de trinta como a estratégia política para salvar a revolução Russa. Para esse revolucionário não havia necessidade de lutar por revoluções sociais nos paises onde a burguesia foi expropriada, a tarefa então era mudar o regime burocrático instalado por Stalin construindo uma nova direção revolucionária que tivesse a perspectiva da revolução permanente. Podemos verificar esse conceito em: TROTSKY, Leon. A revolução Traída: O que é e para onde vai a URSS. São Paulo: Sundermann, 2005. Mas à frente esse conceito assumirá nova perspectiva principalmente em Arcary (2004).
[11] Hobsbawn (1995), p. 412
[12] Arcary (2004), p. 16
[13] Gohn (1991), p. 12
[14] Arcary (2004), p. 27 e 36.
[15] Ibdem, 27-40
[16] Petit (1996), p. 35.
[17] Ibdem, p. 36.
[18] Ibdem, ibdem.
[19] Jornal Resistência, nº 20, p. 2.
[20] Petit (1996), p. 59-60.
[21] Ibdem, ibdem.
[22] Jornal Resistência, nº 15, p.17.
[23] Ibdem, sem número, de fevereiro de 1979, p. 12 e 13
[24] Costa (2006), p. 20.
[25] Jornal Resistência, nº 20, p. 7.
[26] Ibdem, ibdem.
[27] Ibdem, nº 40, p. 7.
[28] Ibdem, nº 41, p. 8.
[29] Carta enviada por e-mail a este autor em 31/10/2008.
[30] Jornal Resistência, nº 25, p.12.
[31] Arcary (2004), p. 27.

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